Para que serve a apologetica por William Lane Craig

27 março, 2014


Que é apologética? apologética (do grego apologia, "defesa") é o ramo da teologia cristã que procura apresentar uma explicação racional para as verdades afirmadas pela fé cristã. Por tanto, apologética é principalmente uma disciplina teórica, apesar de ter aplicação prática. Além de ocupar-se, a exemplo do restante da teologia, com a expressão do nosso Deus amoroso, a apologética serve especificamente para mostrar aos incrédulos a veracidade da fé cristã, para fortalecer essa fé nos salvos e para estudar e apresentar as ligações entre a doutrina cristã e outras verdades. Como disciplina teórica, portanto, a apologética não tem como alvo principal ensinar a responder a questionamentos, a debater ou evangelizar, mas como ciência ela ajuda a fazer tudo isso na prática. Isso significa que um curso de apologética não tem o propósito de ensinar você a responder "assim e assado" quando alguém pergunta "isso e aquilo".

Repetindo, a apologética é uma disciplina teórica que tenta responder a esta pergunta: Que defesa racional se pode fazer da fé cristã? Por isso, a maior parte do nosso tempo passamos tentando responder a essa pergunta.  Agora, é inevitável que isso vá desapontar algumas pessoas. Elas não estão interessadas na explicação racional do cristianismo. Querem saber o que responder quando alguém diz: "A igreja está cheia de gente hipócrita!". Não há nada de errado com essa questão; mas o fato é que essas questões práticas são logicamente secundárias às questões teóricas e não podem, em nosso espaço limitado, ocupar o centro das atenções.

O uso prático da apologética deve fazer parte dos cursos e livros sobre evangelização.  afinal, para que serve a apologética?  Algumas pessoas depreciam a importância da apologética como uma disciplina meramente teórica. "Ninguém vem a Cristo por meio de argumentos", elas dizem. "As pessoas não estão interessadas no que é verdade, mas no que funciona para elas. Elas não querem respostas intelectuais; querem ver o cristianismo na prática". Creio que a atitude demonstrada nessas afirmações é tanto míope quanto equivocada. Deixe-me expor três papéis vitais que a disciplina da apologética tem hoje.

1. Modelar a cultura. Os cristãos precisam enxergar além dos seus contatos evangelísticos imediatos para captar o quadro mais amplo do pensamento e cultura ocidentais. Em geral, a cultura ocidental é profundamente pós-cristã. É o produto do Iluminismo, que introduziu na cultura europeia o fermento do secularismo que a essa altura já permeou toda a sociedade ocidental. A marca do Iluminismo foi o "livre pensamento", isto é, a busca do conhecimento apenas por meio da razão humana desimpedida. Embora não seja de forma alguma inevitável que tal busca leve obrigatoriamente a conclusões não cristãs e embora os pensadores iluministas fossem em sua maioria teístas, o impacto generalizado da mentalidade iluminista tem sido que os intelectuais ocidentais não consideram o conhecimento teológico como algo possível de se obter. A teologia não é uma fonte de conhecimento genuíno e portanto não é uma ciência (em alemão, uma Wissenschaft). A razão e a religião são portanto incompatíveis entre si. Somente as deliberações das ciências físicas são aceitas como orientações determinantes para a nossa compreensão do mundo, e a pressuposição segura é que o retrato de mundo que emerge das ciências genuínas é um retrato amplo e profundamente naturalístico.

Quem sai em busca da razão de forma incansável e inabalável até o fim será obrigatoriamente ateu, ou agnóstico, na melhor das hipóteses. Por que essas considerações sobre cultura são importantes? Simplesmente porque o evangelho nunca é ouvido isoladamente. Sempre é ouvido contra o pano de fundo do ambiente cultural em que a pessoa vive. Uma pessoa criada num ambiente cultural em que o cristianismo ainda é visto como uma opção intelectual viável tem uma abertura para o evangelho que a pessoa secularizada não tem. À pessoa secular se pode sugerir que acredite tanto em Jesus Cristo quanto em fadas e duendes! Ou, para dar uma ilustração mais realista, é como sermos abordados na rua por um adepto do movimento Hare Krishna que nos convida a crer em Krishna. Tal convite nos parece bizarro, esquisito e até engraçado. Mas a uma pessoa nas ruas de Déli, tal convite pareceria, eu suponho, muito razoável e seria motivo para uma reflexão séria. Temo que os evangélicos pareçam quase tão esquisitos às pessoas nas ruas de Bonn, Estocolmo e Paris como os adeptos de Krishna. 

O que nos espera na América do Norte, se continuarmos escorregando de forma descontrolada para o secularismo, já é evidente na Europa. Embora a maioria dos europeus mantenha uma filiação nominal ao cristianismo, somente 10% são cristãos praticantes, e menos da metade desses têm orientação teológica evangélica. A tendência mais significativa na afiliação religiosa europeia é o crescimento dos que eram classificados como "não religiosos" de efetivamente 0% da população em 1900 para mais de 22% hoje. Como resultado, o evangelismo é incomensuravelmente mais difícil na Europa do que nos Estados Unidos. Tendo vivido durante treze anos na Europa, onde preguei evangelisticamente nos campi universitários em todo o continente, posso testificar pessoalmente de como é duro o solo. É até difícil fazer com que se ouça o evangelho. Os Estados Unidos estão seguindo a certa distância nessa mesma estrada, com o Canadá em algum ponto entre os dois. Se não quisermos que a situação se deteriore ainda mais, é imperativo que formemos todo o clima intelectual da nossa cultura de tal maneira que o cristianismo continue sendo uma opção viva para homens e mulheres pensantes.  É por essa razão que os cristãos que depreciam o valor da apologética porque "ninguém vem a Cristo por meio de argumentos" são tão míopes. Pois o valor da apologética se estende muito além dos contatos evangelísticos imediatos da pessoa. A tarefa mais ampla da apologética cristã é ajudar a criar e manter um ambiente cultural em que o evangelho possa ser ouvido como uma opção intelectualmente viável para homens e mulheres pensantes. 

No seu artigo "Christianity and Culture", na véspera da controvérsia fundamentalista, J. Gresham Machen, o grande teólogo de Princeton, advertiu solenemente:  Ideias falsas são o maior obstáculo à recepção do evangelho. Podemos pregar com o fervor de um reformador e mesmo assim ganhar somente alguém que está vagando aqui e acolá, se permitirmos que todo o pensamento coletivo da nação ou do mundo seja controlado por ideias que, pela força irresistível da lógica, impedem que o cristianismo seja considerado algo mais do que um engano inofensivo.1  Infelizmente, ninguém deu ouvidos à advertência de Machen, e o cristianismo bíblico retraiu-se para os cubículos intelectuais do fundamenta lismo. 

O anti-intelectualismo e a erudição de segunda classe se tornaram a norma. Já no seu tempo, Machen observou que "muitos gostariam que os seminários com batessem os erros por meio do ataque a eles, a exemplo do que ensinam seus expoentes populares", em vez de confundir os alunos "com uma porção de nomes alemães desconhecidos fora dos muros da universidade". Machen insistiu, porém, que, pelo contrário, é crucial que os cristãos estejam atentos ao poder de uma ideia antes que ela ganhe expressão popular. O procedimento dos estudiosos, disse ele,  está baseado simplesmente em uma profunda convicção de que ideias têm a capacidade de se infiltrar. O que hoje é um tema de especulação acadêmica começa amanhã a mover exércitos e derrubar impérios. Nesse segundo estágio, ele já foi longe demais para ser combatido; a hora de detê-lo era quando ele ainda era um tema de debate entusiasmado. Por isso, como cristãos devemos tentar moldar o pensa mento do mundo para fazer que a aceitação do cristianismo seja mais do que algo logicamente absurdo.

Na Europa vimos o resultado amargo da secularização, que agora ameaça a América do Norte. Felizmente, nos Estados Unidos em anos recentes emergiu dos cubículos fundamentalistas um evangelicalismo revitalizado que começou a enfrentar com seriedade o desafio de Machen. Estamos vivendo numa época em que a filosofia cristã está experimentando um renascimento genuíno, revigorando a teologia natural, numa época em que a ciência está mais aberta à aceitação da existência de um Criador e Designer transcendental do cosmo do que em qualquer época de memória recente, e numa época em que a crítica bíblica está empreendendo uma nova busca do Jesus histórico que trata os evangelhos seriamente como fontes históricas valiosas para a vida de Jesus e tem confirmado as linhas principais do retrato de Jesus pintado nos Evangelhos.

Estamos bem situados intelectualmente para  ajudar a reformular a nossa cultura de maneira tal a recuperar o terreno perdido, para que o evangelho possa ser ouvido como uma opção viável para pessoas pensantes. Imensas portas de oportunidades estão abertas agora diante de nós. Agora, consigo imaginar o pensamento de alguns leitores: "Mas não estamos vivendo numa cultura pós-moderna em que esses apelos à apologética tradicional já não são eficazes? Visto que os pós-modernos rejeitam os cânones de lógica tradicionais, a racionalidade e a verdade, os argumentos racionais a favor da verdade cristã já não funcionam! Em vez disso, na cultura de hoje deveríamos simplesmente compartilhar a nossa história e convidar as pessoas a participarem dela".

Na minha opinião, não pode haver pensamento mais equivocado do que esse. A ideia de que vivemos numa cultura pós-moderna é um mito. Aliás, uma cultura pós-moderna é impossível; ela é completamente inabitável. Ninguém é pós-moderno quando o assunto é ler a bula de um remédio em contraste com a bula de um veneno de rato. Se você está com dor de cabeça, é melhor acreditar que textos têm significado objetivo! As pessoas não são relativistas quando se trata de questões de ciência, engenharia e tecnologia; mas são relativistas e pluralistas quando se trata de questões de religião e ética. Mas isso não é pós-modernismo; isso é modernismo! Isso vem do velho positivismo e verificacionismo, que defendiam que qualquer coisa que não se pode experimentar com os cinco sentidos é simplesmente uma questão de gosto e expressão emotiva pessoal. Vivemos num ambiente cultural que continua sendo profundamente modernista.

As pessoas que acham que vivemos numa cultura pós-moderna interpretaram de forma muito equivocada a nossa situação cultural. Na verdade, acho que levar as pessoas a crer que vivemos numa cultura pós-moderna é um dos enganos mais astuciosos que Satanás jamais inventou. "O modernismo é passado", ele nos diz. "Vocês já não precisam se preocupar com ele. Esqueçam dele! Está morto e enterrado". Enquanto isso, o modernismo, fazendo de conta que está morto, surge de novo com a roupagem interessante e extravagante do pós-modernismo, com a máscara de um novo competidor. "Seus antigos argumentos e sua velha apologética já não são eficazes contra essa nova aparição", ouvimos dizer. "Podem descartá-los; já se tornaram inúteis. Simplesmente contem a sua história!". E de fato, algumas pessoas, cansadas das longas batalhas com o modernismo, na verdade saúdam o novo visitante com alívio. E assim Satanás nos engana e nos convence a abdicarmos voluntariamente da lógica e das evidências, as nossas melhores armas, garantindo assim de repente o triunfo do modernismo sobre nós. Se adotarmos esse curso de ação suicida, as consequências para a igreja na próxima geração serão catastróficas.

O cristianismo será reduzido a apenas mais uma voz numa cacofonia de vozes concorrentes, cada uma contando a sua própria história e ninguém se apresentando como a verdade objetiva sobre a realidade, enquanto o naturalismo científico forma a visão da nossa cultura sobre como o mundo é de fato. Agora, sem dúvida, não é necessário dizer que ao fazermos apologética precisamos agir de forma relacional, humilde e agradável; mas isso dificilmente é uma percepção original do pós-modernismo. Desde o início os apologistas cristãos sabiam que devemos apresentar as razões da nossa esperança "com mansidão e temor" (1Pe 2.15,16). Não é necessário abandonar os cânones da lógica, racionalidade e verdade a fim de exemplificar essas virtudes bíblicas.

A apologética é, portanto, vital na fomentação de um ambiente cultural em que o evangelho pode ser ouvido como uma opção viável para pessoas pensantes. Na maioria dos casos, não serão argumentos ou evidências que levarão as pessoas à fé em Cristo — essa é a meia-verdade vista pelos detratores da apologética —, não obstante, será a apologética que, ao tornar o evangelho uma opção crível para as pessoas, lhes dará, por assim dizer, o aval intelectual para crer. Por isso, é vitalmente importante que preservemos um ambiente cultural em que o evangelho é ouvido como uma opção viva para pessoas pensantes, e a apologética será essencial para ajudar a produzir esse resultado.

2. Fortalecimento dos cristãos. Não somente é fato que a apologética é vital para a formação da nossa cultura, mas ela também tem um papel vital na vida de pessoas individuais. Um desses papéis é o fortalecimento dos cristãos. A adoração cristã contemporânea tende a concentrar o foco na promoção da intimidade emocional com Deus. Embora isso seja algo bom, as emoções só levam a pessoa até certo ponto, e então ela precisará de algo mais substancial. A apologética pode ajudar a prover parte dessa substância. 

Ao pregar em igrejas em todo o país, frequentemente vejo pais vindo ao meu encontro logo depois do culto, e eles dizem algo como: "Ah se você tivesse vindo aqui há dois ou três anos! Nosso filho [ou nossa filha] tinha perguntas sobre a fé que ninguém na igreja sabia responder, e agora perdeu a fé e está longe do Senhor". Fico com o coração dilacerado quando encontro pais nessas condições. Infelizmente, sua experiência não é incomum. Nos colégios e faculdades os adolescentes e jovens são assaltados intelectualmente com todo tipo de cosmovisão não cristã associada a um relativismo opressor. Se os pais não tiverem a mente engajada na sua fé e não tiverem argumentos sólidos a favor do teísmo cristão e respostas boas às perguntas de seus filhos, então estaremos correndo o sério perigo de perder os nossos jovens. Já não é suficiente ensinar histórias bíblicas a nossos filhos; eles precisam de doutrina e apologética.

Francamente, para mim é difícil entender como as pessoas hoje se arriscam a serem pais sem terem estudado apologética. Infelizmente, as nossas igrejas em termos gerais jogaram a toalha nessa área. Não é suficiente que os grupos e as classes de escola dominical de jovens concentrem suas atividades no entretenimento e em simpáticas ideias devocionais. Precisamos treinar os nossos filhos para a guerra. Não podemos arriscar enviá-los aos colégios e universidades armados com espadas e armaduras de plástico. O tempo para brincadeiras já passou.

Precisamos de pastores que tenham sido treinados em apologética e estejam engajados intelectualmente com a nossa cultura para que saibam pastorear os seus rebanhos em meio aos lobos. Por exemplo, os pastores precisam saber alguma coisa sobre a ciência contemporânea. John La Shell, pastor de uma igreja batista, adverte que "os pastores não podem mais se dar ao luxo de ignorar os resultados e as especulações da física moderna. Essas ideias estão se sedimentando na consciência comum por meio de revistas, artigos populares e até romances. Se não as conhecermos, logo nos veremos num beco intelectual, incapazes de lidar com qualquer pessoa bem informada".

O mesmo vale para filosofia e crítica de pessoas, incluindo as cristãs, diz que não crê em verdades absolutas, ou de que serve simplesmente citar a Bíblia em seu estudo bíblico evangelístico se alguém no grupo diz que o "Seminário de Jesus" provou que os evangelhos não são confiáveis? Se os pastores não fizerem a sua lição de casa nessas áreas, restará uma parte substancial da população — infelizmente os mais inteligentes e por isso os mais influentes na sociedade, como médicos, educadores, jornalistas, advogados, executivos etc. — que permanecerá sem ser alcançada por nosso ministério.

Nas minhas viagens, também tive a experiência de encontrar outras pessoas que me contaram como foram salvas da apostasia aparente por meio da leitura de um livro de apologética ou de assistir ao vídeo de um debate. No caso delas, a apologética foi o meio pelo qual Deus gerou a sua perseverança na fé. É verdade, sem dúvida, que a apologética não pode garantir a perseverança, mas pode ajudar, e em alguns casos pode, de acordo com a providência de Deus, ser até necessária.

Por exemplo, depois de uma palestra na Universidade Princeton sobre argumentos a favor da existência de Deus, veio ao meu encontro um jovem que queria falar comigo. Com dificuldade visível para reprimir as lágrimas, ele me contou que alguns anos antes lutara com muitas dúvidas e estivera à beira de abandonar a sua fé. Alguém então lhe dera um vídeo de um dos meus debates. Ele disse: "Isso me salvou de perder a minha fé. Não sei como lhe agradecer". Eu disse: "Foi o Senhor que o salvou de cair da fé". "Sim", ele disse, "mas o Senhor usou você. Não tenho como lhe agradecer". Eu lhe disse como fiquei empolgado com a sua experiência e lhe perguntei sobre seus planos para o futuro. "Estou me formando este ano", ele me disse, "e estou planejando ir para o seminário. Quero me preparar para o pastorado". 
Louvado seja Deus pela vitória na vida desse jovem! Mas a apologética cristã faz muito mais do que proteger contra a apostasia.

Os efeitos positivos e edificantes do treinamento apologético são muito mais evidentes. As igrejas norte-americanas  estão  cheias  de  cristãos  intelectualmente  neutros.  Como  cristãs,  a mente dessas pessoas está sendo desperdiçada. Um dos resultados disso é uma fé imatura e superficial. Pessoas que simplesmente andam na montanha russa da experiência emocional estão roubando de si mesmas uma fé cristã mais rica e profunda ao negligenciar o lado intelectual dessa fé. Sabem pouco das riquezas da compreensão profunda da verdade cristã, da confiança inspirada pela descoberta de que sua fé é lógica e se coaduna com os fatos da experiência, da estabilidade trazida à vida pela convicção de que a fé é verdade objetiva. 

Um  dos  resultados  mais  gratificantes  das  conferências  anuais  de  apologética organizadas pela Sociedade Filosófica Evangélica em igrejas locais durante o curso das nossas convenções anuais é ver as luzes que acendem na mente de muitos leigos quando eles descobrem pela primeira vez na sua vida que há boas razões para crer que o cristianismo é verdadeiro e que há uma parte do corpo de Cristo que eles nunca conheceram que sabem está se debatendo regularmente com o conteúdo intelectual da fé cristã.


Referências

William Lane Craig, Apologética Contemporânea: A veracidade da fé Crista. Editora Vida Nova. 2012. Trecho disponível em: [Link]


Nenhum comentário:

Postar um comentário