O peregrino e a feira das vaidades

24 maio, 2015


Há quase cinco mil anos já havia peregrinos que se dirigiam à Cidade Celestial como Cristão e Fiel. Vendo Belzebu, Apolião e Legião, com seus companheiros, que pela direção que os peregrinos levavam, lhes era forçoso passar por esta cidade da Vaidade, combinaram entre si estabelecer aqui esta feira, que duraria todo o ano, e onde se venderia toda a espécie de vaidade.

Por esta razão encontram-se na feira todas as mercadorias: casas, terras, negócios, empregos, honras, títulos, países, reinos, concupiscências, prazeres; e toda espécie de delícias, tais como, prostitutas, esposas, maridos, filhos, amos, criados, vida, sangue, corpos, alma, prata, ouro, pérolas, pedras preciosas e muitas outras coisas. Também ali se encontram, constantemente, enganos, jogos, diversões, arlequins, teatros, divertimentos e tratantes de toda a qualidade. E não é só isso. Também ali há, gratuitamente, roubos, mortes, adultérios, perjúrios, falsos testemunhos de toda a classe de gravidade.

Como noutras feiras de menor importância, há nesta várias ruas e travessias, com nomes apropriados, destinadas todas a certas especialidades. Algumas dessas ruas são designadas pelos nomes de certos países. Assim, a rua de Espanha, de Itália, de França, de Inglaterra, de Alemanha, etc. Do mesmo modo que como em todas as outras feiras, há nesta certos gêneros que têm mais extração: são os de Roma, a que atualmente vão fazendo oposição a Inglaterra e outras nações, que não apenas gostavam do desenvolvimento que o comércio de Roma ia adquirindo.

O caminho que conduz à Cidade Celestial passa mesmo pelo meio desta povoação, e aquele que quiser ir à Cidade Celestial, sem passar por aqui terá de sair do mundo (I Coríntios 5:10). Até o Príncipe dos príncipes, quando esteve no mundo, teve de passar por esta povoação antes de chegar ao seu próprio país; também esteve na feira que pertencia a Belzebu, segundo creio, o qual pessoalmente o convidou a comprar as suas vaidades, e não só isto; ainda chegou a oferecer-lhe tudo gratuitamente, se o Príncipe consentisse em fazer-lhe uma reverência ao passar pela povoação.

Como era pessoa de alta categoria, levou-o Belzebu a outras ruas, e mostrou-lhe todos os reinos do mundo, em um instante, tentando induzi-lo a comprar alguma das suas vaidades. Mas não pôde consegui-lo, e o Príncipe saiu da cidade sem haver gasto um ceitil (Mateus 4:8-10). Esta feira é, pois, muito antiga e de muita importância. Era forçoso que os peregrinos passassem por esta cidade, e assim aconteceu, mas logo que sua presença foi notada, toda a gente da povoação se alvoroçou por sua causa.

Eis a razão disso: Não demos motivos aos habitantes da cidade, nem aos feirantes, para nos maltratarem desta maneira, nem para impedirem a nossa viagem: apenas respondemos aos que nos convidavam a comprar das suas mercadorias que só queríamos comprar a verdade. Mas o tribunal declarou que estavam loucos, e que tinham vindo expressamente para perturbar a ordem pública. E por isso os prenderam, deram-lhe muita pancada, atiraram lama sobre eles, e meteram-nos numa gaiola para servirem de espetáculo a toda a gente que havia na feira.

Nessa situação permaneceram por algum tempo, sendo o alvo do divertimento, da maldade ou da vingança dos circunstantes. O geral ria-se de todos os insultos: outros, porém, mais observadores e mais despreocupados, vendo quanto os peregrinos eram pacientes e sofredores, que não retribuíam maldições com maldições, mas com bênçãos, e que respondiam com palavras mansas aos insultos e injúrias que lhes eram dirigidos, começaram a conter a multidão, e a repreendê-la pelos seus inqualificáveis e injustos abusos e desvarios.

Extraído do livro O peregrino de John Bunyan, p 121.

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